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terça-feira, 28 de julho de 2015

Não me odeie porque sou arminiano

Por: Roger E. Olson
Publicado em: Christianity Today, 6 de setembro de 1999


Meus amigos reformados algumas vezes me tratam como inimigo, mas na verdade precisamos uns dos outros.

Durante os grandes avivamentos do século dezoito, John Wesley e George Whitefield pararam de cooperar um com o outro devido às suas diferentes crenças acerca da predestinação. E embora eles finalmente se reconciliaram, sua divergência persiste em debates ocasionais de evangélicos americanos sobre a soberania de Deus e as doutrinas da eleição e do livre-arbítrio.

Apesar desta história, a aliança evangélica pós-segunda guerra mundial mantém juntos crentes calvinistas e arminianos dentro de um grande movimento. Pelo menos há, tanto igrejas membros da Associação Nacional de Evangélicos arminianas em sua orientação teológica, quanto reformadas...

Mas agora, sinais de grande tensão dentro da aliança estão aparecendo, incluindo uma nova estridência e agressividade da parte de teólogos em alguns círculos reformados mais conservadores. Como um inveterado arminiano assim como evangélico, e como alguém que se preocupa profundamente com a unidade da comunidade evangélica, acho que isto é muito lastimoso.

Alguns destes teólogos acham que o evangelicalismo enfrenta uma crise que se concentra na questão da predestinação. “Cristãos que negam a eleição incondicional e a graça irresistível podem ser genuinamente evangélicos?” eles perguntam. Michael Horton, professor no Seminário Teológico de Westminster, na Califórnia, afirma na revista Modern Reformation que “arminiano evangélico” não é uma opção mas um oxímoro. “Um evangélico”, ele diz, “não pode ser arminiano mais do que um evangélico pode ser um católico romano”. Até mesmo o grande reavivalista arminiano John Wesley é suspeito de uma fé evangélica defeituosa por Horton e alguns de seus colegas em duas organizações, a Christians United for Reformation (CURE) e a Alliance of Confessing Evangelicals (ACE). Estes e outros movimentos evangélicos contemporâneos buscam restabelecer e entronizar o monergismo – a crença na atividade única e soberana de Deus na salvação – como crucial ao evangelicalismo autêntico.

Em anos recentes, uma enchente de livros e artigos editados e escritos por líderes acadêmicos evangélicos reformados (como R. C. Sproul do Ligonier Ministries) têm levantado questões sobre a validade das credenciais evangélicas de todos e cada um dos protestantes arminianos que negam a eleição incondicional e afirmam a graça resistível. A ACE escreveu a “Declaração de Cambridge”, que criticou, entre outras supostas aberrações entre os evangélicos, a crença de que os seres humanos podem cooperar com a graça regeneradora de Deus.

Espero por outro período de tranquilidade entre nós que cremos na capacidade da alma de cooperar com a graça regeneradora (arminianos) e aqueles que crêem que a graça regeneradora deve preceder até mesmo o arrependimento e a fé (calvinistas).

Quando iniciei o seminário eu era filho de um pregador pentecostal convencido a me tornar um “esmurrador de púlpito” teologicamente instruído. Eu me graduei numa “aspirante” a universidade acadêmica teológica completamente evangélica pós-pentecostal. Enquanto no seminário, eu descobri que alguém poderia ser cheio do Espírito e também intelectualmente sério, aberto a pontos de vistas diversos dentro da mais ampla herança evangélica, e até mesmo teologicamente reformado! Essa revelação veio a mim através das vidas e ensino de professores como Ralph Powell, Al Glenn, Sam Mikolaski e James Montgomery Boice. Revistas como a Eternity e a Christianity Today ajudaram a transformar minha anteriormente mais estreita ideia de cristianismo evangélico “pleno” autêntico. Mas passando por isso tudo, e apesar de sérias lutas com seus problemas, eu conservei o Arminianismo de minha herança holiness-pentecostal.

Dois conselhos que aprendi do meu mentor evangélico no seminário, um batista moderadamente reformado, se fixaram especialmente em minha mente. Durante a recepção, imediatamente após a cerimônia de graduação, Ralph Powell me puxou para o lado, e da maneira mais tocante, característica de um avô, disse: “Roger, jamais perca sua excelência evangélica”. Sabendo que eu planejava continuar minha educação teológica numa universidade secular, ele não poderia pensar num conselho de despedida melhor para o seu jovem protegido. Nem eu poderia. Sempre tenho lembrado de sua exortação afetuosamente e dado meu melhor para satisfazer seu desafio.

O outro conselho veio mais cedo. Powell estava preocupado com minhas crenças arminianas um tanto firmes. Um dia ele me levou à parte e disse, “Roger, você deve saber que o Arminianismo geralmente tem levado à teologia liberal”. Como muitos teólogos reformados, ele acreditava que uma ênfase arminiana no livre-arbítrio concede poder demais à humanidade e por essa razão contém um impulso humanista. Embora apreciei sua admoestação implícita, eu sabia de minha própria experiência que isto não era inteiramente verdadeiro. Desde então, tenho me esforçado para provar que a teologia arminiana e uma excelência evangélica podem ser combinadas confortavelmente.

Teologia Tulip – fabricada na Holanda

A teologia arminiana não começou na Armênia. Na verdade, ela não tem nada a ver especificamente com aquela parte da Ásia. O Arminianismo é uma designação derivada do nome de um teólogo holandês que morreu em 1609 no auge de uma controvérsia envolvendo a doutrina da predestinação. Jacob Arminius rejeitou algumas das doutrinas do Calvinismo enquanto aceitava outras. Ele estudou sob o sucessor de Calvino em Genebra, Theodore Beza, mas veio a repudiar algumas das crenças de Beza, tais como a eleição incondicional e a graça irresistível, em favor da eleição condicional, o livre-arbítrio e a graça preveniente, resistível.

A contraparte fielmente reformada em teologia na Universidade de Leiden era Franciscus Gomarus – outro aluno de Beza – que insistia que as doutrinas que Arminius rejeitou eram partes integrantes da ortodoxia teológica reformada.

Os seguidores de Arminius na Holanda ficaram conhecidos após sua morte como remonstrantes, e alguns deles formularam um documento conhecido como a Remonstrância, no qual eles detalharam sua rejeição da teologia calvinista de Gomarus. O resumo da fé reformada de Gomarus tinha cinco pontos (a famosa fórmula “TULIP”): depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e a perseverança.

Arminius mesmo nunca negou o primeiro e o último dos cinco pontos, e seus seguidores os debateram entre si por séculos. Resumidamente afirmados, os “cinco pontos” rejeitados pelos remonstrantes significam (em ordem) que os humanos são todos (com a exceção de Jesus Cristo) nascidos completamente mortos espiritualmente e incapazes de fazer qualquer coisa agradável a Deus por causa da herança da natureza caída de Adão; Deus predestinou certas pessoas para receber perdão e vida eterna, e a seleção de Deus de forma alguma foi condicionada pelas vidas ou decisões dos eleitos; Cristo morreu na cruz para proporcionar sacrifício expiador para os pecados somente dos eleitos; Deus comunica a graça regeneradora aos eleitos de tal forma que eles não podem ou querem resistir; e os eleitos de Deus irão perseverar em estado de graça até a salvação final.

Os principais ministros reformados e líderes políticos das Províncias Unidas dos Países Baixos – das quais a Holanda era o estado mais proeminente – se encontraram no Sínodo de Dort de novembro de 1618 a janeiro de 1619 e condenaram os remonstrantes como heréticos. Dort afirmou os assim chamados cinco pontos do Calvinismo como ortodoxos e forçaram os seguidores de Arminius ou a retratar suas crenças no livre-arbítrio, eleição condicional, graça resistível e expiação ilimitada ou a serem banidos da Igreja Reformada e dos Países Baixos. Alguns líderes arminianos, tais como o estadista holandês Hugo Grotius, foram presos. Um foi decapitado. Nesses dias não era tão fácil separar teologia e política como fazemos hoje em dia.

Como resultado do Sínodo de Dort, os arminianos se espalharam para outros países e encontraram refúgio em outros ramos do Cristianismo protestante. Os menonitas e outros anabatistas já criam quase a mesma coisa sobre a eleição divina e a salvação como muitos dos arminianos: A eleição se refere ao pré-conhecimento de Deus daqueles que livremente responderiam ao evangelho conforme fossem capacitados pela graça preveniente. A teologia arminiana encontrou aceitação dentro da Igreja da Inglaterra, embora muitos nessa igreja resolutamente se opuseram a ela em favor da teologia reformada.

Gradualmente os arminianos se dividiram em dois grupos, que Alan P. F. Sell – um intérprete moderno da história da controvérsia reformada-arminiana – classifica como “Arminianismo da cabeça” e “Arminianismo do coração”. Os primeiros se inclinaram ao Deísmo e à teologia liberal. Muitos finalmente se tornaram unitários. Os últimos foram fortemente influenciados pelo pietismo alemão e enfatizavam a conversão pessoal e a santificação.

John Wesley foi o principal “arminiano do coração” no século dezoito, e seu movimento metodista foi profundamente caracterizado pela teologia arminiana do “livre-arbítrio”. Àqueles evangélicos de seu dia, que o acusavam de ter tendências humanísticas e católicas por causa de sua rejeição da eleição incondicional e da crença no livre-arbítrio, Wesley afirmou a absoluta necessidade da graça preveniente (capacitante mas resistível) de Deus para superar a ferida mortal do pecado e ter livre-arbítrio suficiente para aceitar ou rejeitar a graça salvadora responsavelmente.

Os primeiros batistas foram divididos por esta controvérsia reformada-arminiana. Os pregadores e as congregações batistas que adotaram as doutrinas calvinistas da eleição incondicional, expiação limitada e a graça irresistível vieram a ser conhecidos como “batistas particulares”, enquanto os que seguiram os ensinos arminianos foram chamados de “batistas gerais”.

Reavivalistas e seus conservos durante os Grandes Avivamentos dos anos 40 do século dezoito e início do século dezenove na América frequentemente se dividiram em tais linhas teológicas. Jonathan Edwards da Nova Inglaterra foi um gênio na defesa de uma forte visão reformada da soberania de Deus e da depravação do homem. Charles Finney, um século mais tarde, promoveu uma versão extremada do Arminianismo. Todo o Movimento de Restauração que deu origem às Igrejas de Cristo e Igrejas Cristãs Independentes era arminiano, como foi o movimento Holiness e seus descendentes, o movimento pentecostal. Ambos, Dwight L. Moody e Charles Spurgeon, por outro lado, eram calvinistas.

Todos na família

Eu fui criado espiritualmente no âmago do Cristianismo evangélico arminiano. Algumas das minhas mais vívidas lembranças da infância são de transpirar nas noites de verão debaixo do tabernáculo lateralmente aberto dos Acampamentos Nazarenos de Iowa em West Des Moines. “Santidade ao Senhor!” declarava a faixa sobre o palanque; centenas – talvez milhares – de adoradores Holiness e pentecostais, todos à minha volta, gritavam e cantavam e louvavam o Senhor até tarde da noite. Nossa própria pequena denominação pentecostal, como o maior movimento Holiness-pentecostal, era inteiramente arminiana em sua orientação teológica. A vontade universal de Deus pela salvação de todos e a liberdade de todos para crer e receber a mensagem do evangelho era fundamental à nossa visão de Cristianismo evangélico. Não havia nenhuma possibilidade da teologia liberal invadir nossa teologia. Nenhum grupo de cristãos na história jamais creu mais apaixonadamente na Bíblia como a Palavra escrita sobrenaturalmente inspirada e infalível de Deus. A santidade e a majestade de Deus eram também centrais à nossa pregação e ensino, apesar de que a soberania de Deus era interpretada como geral antes que meticulosa. Para nós, Satanás era um demônio real – um cachorro louco numa corrente longa – e de forma alguma o “Satanás de Deus”. E todavia, críamos e ensinávamos que Deus finalmente venceria a guerra espiritual cósmica e que Satanás poderia somente descarregar tanta destruição conforme Deus o permitia assim fazer.

As reuniões de família eram eventos fascinantes. Minha família mais ampla incluía, de ambos os lados, cristãos de vários pontos de vistas, e muitos deles eram ardentes e francos acerca de suas crenças. Do lado do meu pai, a maioria dos parentes eram ou Holiness ou pentecostais, e as reuniões de família geralmente se dividiam em discussões acaloradas sobre a santificação plena e o falar em línguas. A família de minha madrasta incluía pentecostais e cristãos reformados. Embora eles nunca discutiram abertamente sobre questões teológicas, me lembro bem que ambos os lados da família olhavam com uma certa desconfiança para a teologia do outro. Meus parentes da Igreja Reformada Cristã do norte de Iowa não estavam tão seguros sobre o emocionalismo e a ênfase no livre-arbítrio entre aqueles de nós que sustentávamos e praticávamos o Pentecostalismo. Meus pais, tias e tios pentecostais – muitos deles pastores e missionários – claramente se admiravam de como calvinistas ferrenhos podiam ser cristãos evangélicos. E todavia todos amavam e aceitavam um ao outro apesar de suas diferenças teológicas.

No colégio da Bíblia, fui doutrinado contra a teologia reformada. A maioria de meus professores pentecostais e muitos dos oradores convidados nas capelas e assembleias ferventemente se opunham não apenas à eleição incondicional e à graça irresistível (a expiação limitada não valia nem a pena debater!), mas também à segurança eterna. Quando o evangelista pentecostal Jimmy Swaggart publicamente declarou que o Calvinismo é uma “heresia,” ele estava apenas tornando público o que muitos Holiness-pentecostais pensavam e ensinavam mais discretamente por anos.

Mas algo continuava incomodando minha mente, me fazendo duvidar da imagem extremamente negativa da teologia reformada que me passavam no colégio da Bíblia. Alguns de nossos livros escolares eram escritos por estudiosos calvinistas evangélicos. Um de nossos livros escolares era uma coleção de sermões de Charles Spurgeon. Enquanto no colégio da Bíblia, comecei a ler a revista Eternity e me apaixonei pelo grande professor presbiteriano evangélico Donald Grey Barnhouse – um pacífico calvinista cujos escritos também exigiam que lêssemos. A Eternity abriu para mim o evangelicalismo tolerante que incluía tanto arminianos quanto calvinistas. E então havia meus parentes reformados cristãos, cujas vidas e testemunhos eram tão apaixonadamente evangélicos quanto qualquer pregador zeloso completo.

Um ponto crítico em minha peregrinação espiritual e teológica aconteceu em um funeral. O pastor reformado cristão da tia Margaret, em Kanawha, Iowa, pregava um dos sermões mais evangélicos que eu já tinha ouvido. Ele desafiou todos os presentes a dar suas vidas a Jesus Cristo assim como Margaret tinha feito. A discrepância entre fé e prática finalmente irrompeu-se numa rebelião completa contra a polêmica anti-calvinista que eu tinha ouvido de líderes e professores pentecostais. Enquanto eu não podia concordar com todos os cinco pontos da TULIP calvinista – especialmente a eleição incondicional, a expiação limitada e a graça irresistível – eu sabia que a “barraca” do Cristianismo evangélico autêntico era maior e mais ampla do que eu tinha sido levado a acreditar. Essa convicção se fortaleceu enquanto bebia intensamente das fontes de teologia reformada evangélica por todos os meus estudos no seminário e na universidade.

Enquanto conservava minhas crenças arminianas, minha mente evangélica se expandiu e se aprofundou enquanto lia teólogos reformados como G. C. Berkouwer, Bernard Ramm, Donald Bloesch, J. I. Packer e Francis Schaeffer. Eles me mostraram novas dimensões das doutrinas de Deus e da salvação que estava faltando ou tinha sido obscurecida no Arminianismo de minha juventude e início de minha educação teológica: a diversidade misteriosa, santa de Deus; a soberania grandiosa de Deus sobre a natureza e a história; a completa impotência da humanidade para realizar qualquer bondade ou até mesmo decidir aceitar os benefícios do sofrimento e morte de Cristo à parte da graça.

Tenho aprendido desde então que estes temas não estão faltando na teologia arminiana clássica, mas eu tive que aprendê-los de evangélicos reformados. Eu saí de meus estudos teológicos convencido de que minha teologia arminiana, embora fundamentalmente correta, carecia de profundidade e que ela poderia ser enriquecida pela herança do Cristianismo reformado. Também sai convencido de que a teologia reformada – particularmente em suas formas mais consistentes – carecia da observação maravilhosa do amor universal de Deus por suas criaturas humanas tão evidentes na melhor de minha própria tradição arminiana. Eu estava convencido de que a comunidade evangélica precisa tanto de George Whitefield quanto de John Wesley, e que seus herdeiros precisam um do outro para atingir a beleza do equilíbrio.

Por algum tempo no começo de minha carreira como teólogo evangélico, eu tentei viver como um pacífico arminiano trabalhando tranquila e discretamente no mundo amplamente reformado da teologia evangélica prevalecente. Encontrei muitos companheiros arminianos ao longo do caminho que muitas vezes preferiam chamar-se a si mesmos de “moderadamente reformados” ou “calminianos”, e gradualmente foi ficando claro que para muitos – talvez a maioria – teólogos evangélicos fora dos círculos estritamente wesleyanos ou pentecostais, arminiano é uma palavra secreta para semipelagiano (a heresia da crença na iniciativa humana na salvação) se não “humanismo disfarçado”.

Um dia um amigo dirigiu-se a mim em particular e me perguntou com grande preocupação se meu arminianismo poderia ser evidência de um humanismo disfarçado em meu pensamento. Era para mim a primeira salva de artilharia em uma nova batalha pela mente evangélica no qual eu me encontraria preso no meio. Tenho visto uma declaração de princípios de ortodoxia evangélica por auto-proclamados “evangélicos confessos” – um de meus professores do seminário entre eles – que coloca limites que me excluiria junto com outros arminianos da comunidade evangélica. (Estes incidentes me fazem lembrar, quando jovem, da minha própria tradição Holiness-Pentecostalista que tendia a fazer o mesmo com a teologia calvinista). Uma nova ocorrência de conflito e exclusão sobre esta questão não pode servir qualquer propósito útil senão para dividir, excluir e enfraquecer a frágil unidade evangélica tão cuidadosamente construída e preservada durante as últimas cinco décadas.

Estou firmemente convencido de que os evangélicos arminianos e reformados precisam uns dos outros ainda que não tenho esperança de um meio termo híbrido ou consistente emergindo deles. Se isso fosse possível, teria acontecido há muito tempo atrás. Mentes brilhantes e biblicamente comprometidas têm trabalhado nestas questões de interpretações por centenas de anos sem chegar a tal combinação consistente. Não vejo problema se alguns evangélicos querem afirmar algo chamado “Calminianismo” – o que eu somente posso reconhecer como uma mistura evangélica paradoxal e portanto sem firmeza. E eu percebo que muitos cristãos evangélicos não se identificam especificamente nem com o Arminianismo nem com o Calvinismo.

Mas alguém ou crê que a graça é resistível ou crê que ela não é. Não pode ser ambos da mesma maneira ao mesmo tempo. Alguém ou crê que a eleição – um conceito completamente bíblico – é incondicional ou não. Não pode ser ambos da mesma maneira ao mesmo tempo. Alguém ou crê que a providência divina sobre a natureza e a história é meticulosa e absoluta ou não. Em algumas destas questões teológicas cruciais, sobre as quais a Bíblia fala frequentemente, alguém deve escolher um caminho ou o outro, e infelizmente, ou a Escritura não é inteiramente clara ou nossas mentes estão tão obscurecidas pela finitude e pela queda para chegar a uma resposta definitiva que possa ser imposta como a única possível interpretação para todos os que crêem na Bíblia.

Não temos escolha

Alguns de nós não podem deixar de ser arminianos porque quando lemos a Bíblia vemos como seu tema predominante o amor universal de Deus e seu desejo pela salvação de todos e pela inclusão de todas as pessoas em seu reino. Não o “humanismo disfarçado”, mas passagens como 1Tm 2:4; 2Pe 3:9, e Ez 33:11 (para não mencionar Jo 3:16,17!) nos convence de que Deus não exclui ninguém de seu amor e comunhão eterna por alguma pré-ordenação secreta e controle misterioso. Não a filosofia moderna, mas passagens como Lc 6:47 e 9:24, At 7:51 e Ap 22:7 nos convence de que aos humanos são dados o tremendo dom da liberdade para aceitar ou resistir a graça salvadora de Deus e o dom do Espírito Santo. Nada disso, entretanto, significa limitação da soberania de Deus ou um ganho meritório da salvação pelo esforço humano.

Nós arminianos clássicos – nem todo arminiano é um arminiano clássico – cremos que Deus poderia controlar tudo mas escolhe estar no comando ao invés de controlar tudo a todo instante. A auto-limitação de Deus não impugna a majestade e a soberania de Deus.

Também acreditamos com Jacob Arminius e John Wesley que a graça preveniente é a única base para a livre aceitação da graça salvadora de Deus. Sem ser anteriormente despertado, chamado e capacitado, todos os humanos são pecadores demais para escolher livremente aceitar a oferta de Deus da graça salvadora. Em nossa opinião, que a salvação é aceita livremente não invalida sua natureza como uma completa dádiva. Por compreender e fielmente comunicar o tema revelacional do amor e da graça universal de Deus, os arminianos devem ser elogiados e estimados.

Alguns evangélicos não podem deixar de ser reformados e calvinistas porque, quando lêem a Bíblia, eles vêem seu tema predominante como a majestade transcendente, o poder e o controle soberano de Deus. O exemplo clássico de Romanos 9-11 é prova suficiente para eles que a providência é absoluta e meticulosa e que a eleição é incondicional e a graça é sempre irresistível. Eles acham os mesmos temas e doutrinas ecoando por toda a Escritura, incluindo Isaías 6, Am 3:6 e 4:13, João 17 e Efésios 1.

Além disso, se a salvação é verdadeiramente um dom gratuito como Paulo ensina em Ef 2:8-10, de forma que ninguém que é salvo pode possivelmente se gabar, então, os calvinistas afirmam, ela deve ser dada à parte de qualquer atividade ou cooperação do lado do pecador para recebê-la. De outra forma, a pessoa redimida poderia gabar-se. O padrão do testemunho bíblico para Deus e seu plano providencial como percebido pelos cristãos reformados os força a reconhecer e confessar a pré-ordenação incondicional de todas as coisas sem limitação ou exceção. Por compreender e fielmente comunicar o tema revelacional da grandeza de Deus e da dependência humana, os calvinistas devem ser elogiados e estimados.

Ainda que estes dois grupos da comunidade evangélica não podem concordar – e parece improvável que qualquer um deles alguma vez persuadirá todos os outros a “converter” para o seu ponto de vista – eles podem e devem aceitar um ao outro como irmãos e irmãs em Cristo e reconhecer seus laços evangélicos comuns. Esta tem sido uma das forças da aliança evangélica do mundo pós-segunda guerra mundial. Para o bem maior do reino de Deus, cristãos biblicamente comprometidos, centralizados em Cristo, têm trabalhado juntos num espírito de respeito e aceitação mútuos para a propagação do evangelho e para o alívio do sofrimento humano apesar das diferenças de interpretação das doutrinas da eleição e providência. Seus inimigos comuns da acomodação ao secularismo e da flagrante heresia dentro das denominações reconhecidas têm fortalecido seu foco em sua crença comum na autoridade da Escritura, divindade de Cristo, salvação pela graça apenas, por meio da fé apenas, e outras grandes verdades da Bíblia e da fé cristã histórica. O espírito semelhante a Cristo do amor e da aceitação pacífica das diferenças de opinião sobre questões secundárias têm grandemente acentuado a influência desta aliança evangélica na sociedade.

Cada vez mais acusações imoderadas de quase heresia dentro da aliança evangélica sobre questões que concordamos em discordar pacificamente pode simplesmente minar e enfraquecer seu testemunho. Ao invés de dizer, “Vejam como eles amam uns aos outros!”, os não-evangélicos dirão, “Vejam como eles brigam e disputam entre si!”. Quem pode culpá-los?

A verdade importa, mas nem toda verdade importa igualmente. Algumas coisas nunca saberemos com certeza até que as lentes escurecidas sejam removidas e todos veremos “face a face”. Nesse meio tempo, precisamos aprender como respeitar e apreciar um ao outro em humildade enquanto defendendo nossas próprias interpretações preferidas das questões bíblicas debatíveis sobre a soberania divina, a eleição, o livre-arbítrio e a resistibilidade da graça.

Para esse fim eu desafio meus companheiros arminianos evangélicos a fazer como tenho feito: Bebam intensamente das fontes do pensamento evangélico reformado e elogiem os cristãos calvinistas por sua compreensão da glória de Deus e da completa graciosidade da salvação. Admirem e busquem imitar seu amor pelo pensamento cristão integrante e sua paixão por transformar a cultura. Evitem estereótipos e caricaturas do Calvinismo, pois eles não fazem juz à sua riqueza e profundidade. Todos os evangélicos devem à herança de Calvino, John Knox, Edwards, Whitefield, Spurgeon e Schaeffer.

A meus colegas evangélicos calvinistas, eu convido a dar a nós arminianos o benefício da dúvida: Ainda que vocês não possam ver como podemos entender Deus como “no comando” mas não “no controle” (soberano mas não todo-determinativo), entendam e aceitem que adoramos a Deus como majestoso, todo-poderoso e misterioso em beleza e poder. Percebam, ainda que não possam inteiramente entender, que nós arminianos afirmamos a salvação como uma dádiva completa da graça imerecida, ainda que ela deve ser aceita livremente. Leiam Arminius, Wesley, Miley, Dale Moody, Grider, Dunning e Oden. Todos afirmam sobre bases bíblicas que a eleição é condicional e a graça resistível, e todavia que a justificação é pela graça apenas por meio da fé apenas, livre, completa e imerecida.

Desde esse dia, no funeral da tia Margaret, tenho me associado com vários evangélicos reformados e aprendido a apreciar tanto eles como sua teologia ainda que permaneço convencido de minha própria perspectiva tanto biblicamente quanto logicamente. Tudo que eu peço é que eles retribuam a gentileza e aceitam aqueles de nós que somos seus irmãos e irmãs evangélicos na fé apesar de sua própria convicção da superioridade de sua teologia.

Certamente podemos aprender a trabalhar e testemunhar e adorar juntos novamente como fizemos no passado. Até John Wesley e seu companheiro calvinista George Whitefield refizeram sua amizade antes que morreram. Wesley pregou no funeral de Whitefield. Foi tudo para a glória de Deus e seu reino eterno que ele fez.

Roger E. Olson
Fonte: arminianismo.com
Tradução: Paulo Cesar Antunes


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Roger E. Olson, editor conselheiro da Christianity Today, é autor de A História da Teologia Cristã (Editora Vida, 2000).





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